Os desreguladores endócrinos (DE) são substâncias químicas que podem afetar o nosso sistema hormonal (endócrino). Mas o que é que isso significa realmente para nós e quais podem ser as consequências do contacto permanente com os desreguladores endócrinos? Para compreender o que são estes químicos e como podem afetar a nossa saúde, comecemos por analisar mais de perto o funcionamento das hormonas no nosso corpo.
Os heróis escondidos: explorar a intrincada dança das hormonas no nosso corpo
As hormonas são substâncias minúsculas, mas extremamente importantes, que regulam os processos no nosso corpo. Acordam-nos e controlam a fome, o metabolismo, o crescimento, o humor e as emoções. Para citar apenas algumas, porque, honestamente, as hormonas participam no controlo de quase tudo o que acontece num organismo humano. Bem, não só nos humanos, mas hoje vamos concentrar-nos principalmente na nossa espécie. Então, como é possível que substâncias tão pequenas desempenhem um papel tão crucial? Podemos pensar que devemos ter muitas hormonas no corpo se elas são responsáveis por tantas funções. Claro, no que diz respeito ao número de hormonas, isso é sem dúvida verdade. Temos as hormonas sexuais como a testosterona ou o estradiol, a adrenalina responsável pela resposta de luta ou fuga quando estamos sob forte pressão e a melatonina que participa no controlo do nosso ritmo circadiano. No total, mais de 70 hormonas atuam no organismo humano, precisamente na corrente sanguínea, e pertencem ao sistema hormonal ou endócrino. Embora existam bastantes hormonas diferentes no nosso corpo, no que respeita à concentração, as hormonas funcionam em níveis muito baixos. Resumindo, as hormonas são substâncias minúsculas que existem em pequenas quantidades, mas que têm um grande poder e controlam as nossas ações diárias. Mas o que controla exatamente a ação das hormonas? Provavelmente não é uma grande surpresa – o cérebro. Este recolhe toda a informação do corpo, processa-a e assegura que todas as hormonas se mantêm em harmonia. Bem, pelo menos está a tentar fazê-lo.
Os agentes poderosos do nosso corpo: descubra os papéis fascinantes do cérebro, das glândulas e das hormonas
Imaginemos o sistema endócrino como uma empresa, onde o cérebro é o patrão e as hormonas são os empregados. Todos os funcionários pertencem a determinados departamentos – glândulas endócrinas – que, em suma, são responsáveis pela produção e libertação de hormonas. O pâncreas, a tiroide ou os ovários/testículos são exemplos de glândulas endócrinas que trabalham para nós todos os dias. Se olharmos mais de perto para a estrutura da nossa empresa – o sistema endócrino – veremos o cérebro, as glândulas e as hormonas. O cérebro liberta substâncias que dizem às glândulas para produzirem mais hormonas ou para interromperem a síntese, se esta for suficiente. Trabalham alegremente numa vasta rede e dependem uns dos outros. Se algo correr mal num departamento, o mais provável é que tenha impacto noutro. É por isso que é crucial manter as hormonas em equilíbrio. Sem entrar em demasiados pormenores, a estrutura do sistema endócrino é complicada, mas o objetivo é fazer com que tudo funcione bem e sem problemas. Para o conseguir, é essencial manter o sistema hormonal em boa forma, o que significa um cérebro e glândulas saudáveis e hormonas na concentração correta. E não menos importante, manter o sistema endócrino livre de substâncias que possam afetar o seu frágil equilíbrio.
Os visitantes indesejados: como os desreguladores endócrinos estão a sabotar a sua saúde
Cada departamento (glândula) reconhece os seus próprios funcionários (hormonas) e dá-lhes acesso a dados confidenciais para procederem a ações no corpo humano. As hormonas têm um crachá especial que abre uma porta – a porta é um recetor para as hormonas. E quando se abrem, as hormonas começam a atuar, o que significa que têm efeitos biológicos nos tecidos e células do nosso corpo. O sistema de segurança do nosso organismo funciona bem, mas tem as suas falhas e nem sempre reconhece a ameaça. Imagine que consome acidentalmente alimentos que estão contaminados com toxinas. Mais cedo ou mais tarde, o seu corpo dar-lhe-á sinais de que está com uma intoxicação alimentar e terá de correr para a casa de banho o mais rapidamente possível. Bem, no caso dos desreguladores endócrinos não é assim tão óbvio porque estes químicos não provocam náuseas, febre ou cãibras no estômago. Os seus impactos são diferentes, não são imediatos e podem levar anos até descobrirmos as consequências. Pode parecer um problema menor, mas depressa perceberá que é algo em que devemos pensar desde já.
De impostores inocentes a sabotadores silenciosos da nossa saúde e bem-estar
O corpo humano pode não ser capaz de reconhecer corretamente algumas substâncias que têm estruturas semelhantes às hormonas. Vamos parar um momento e voltar à nossa empresa, o sistema endócrino, onde o cérebro é o patrão e as hormonas são os empregados. Os desreguladores endócrinos são impostores que fingem atuar na corrente sanguínea. Pode parecer que têm um crachá para abrir a porta necessária para iniciar ações que são normalmente controladas por hormonas. Os desreguladores endócrinos podem parecer-se com hormonas e, por isso, podem imitar uma hormona natural. Como resultado, o organismo não faz ideia de que existem outras substâncias indesejadas no sistema endócrino em vez de apenas hormonas produzidas no corpo.
Químicos perigosos rodeiam-nos diariamente e sabotam o nosso bem-estar, sem que nos demos conta
Ao ler tudo isto, talvez possa pensar que os desreguladores endócrinos são substâncias químicas que estão presentes apenas em laboratórios altamente especializados. Bem, o problema é que estamos rodeados de desreguladores endócrinos todos os dias. A boa notícia é que, ao mesmo tempo, estamos a adquirir cada vez mais conhecimentos sobre as soluções para os evitar diariamente.
Desvendando os sabotadores silenciosos: como é que os desreguladores endócrinos invadem o nosso corpo
Agora que já sabe o que são os desreguladores endócrinos, vamos analisar mais detalhadamente a forma como podem entrar no corpo humano. Existem várias vias de exposição a estes químicos:
- A ingestão, ou seja, o consumo de alimentos e água contaminados, é a via mais comum de exposição aos desreguladores endócrinos. Estas substâncias químicas podem estar presentes em pesticidas, herbicidas, poluentes industriais e até em certos materiais de embalagem de alimentos. As fontes quotidianas incluem, por exemplo, garrafas de plástico, lancheiras e caixas plásticas usadas no armazenamento, utensílios de cozinha e alimentos embalados em plástico ou enlatados.
- Os desreguladores endócrinos também podem entrar no corpo através da inalação de ar contaminado. Podem estar presentes sob a forma de compostos voláteis, como os ftalatos ou determinados retardadores de chama, que são libertados por produtos de consumo, materiais de construção ou poluentes do ar interior. As fontes também incluem o pó da casa que encapsula as pequenas partículas de plástico libertadas pelos objetos no dia a dia.
- Alguns desreguladores endócrinos podem ser absorvidos através da pele. Os produtos de cuidados pessoais, como loções, cosméticos e protetores solares, podem conter químicos como parabenos ou ftalatos, que podem ser absorvidos pelo corpo quando aplicados na pele.
É importante notar que a exposição a desreguladores endócrinos pode ocorrer através de uma combinação destas vias. O nível de exposição pode variar em função das escolhas individuais de estilo de vida, da profissão e de fatores ambientais.
Desvendando a ameaça silenciosa: como os desreguladores endócrinos sequestram a nossa saúde e bem-estar!
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade. Nem todos os químicos alteram o equilíbrio hormonal da mesma forma. Podem imitar a ação das hormonas e induzir o organismo a reagir como acontece quando as hormonas atingem determinados níveis. Alguns desreguladores endócrinos podem afetar as respostas naturais e desencadear a reação do organismo, mas em momentos e de forma inadequados. Outros produtos químicos podem bloquear os efeitos de uma hormona nos receptores, estimular ou pelo contrário – inibir o sistema endócrino e, consequentemente, levar a uma sobreprodução ou subprodução de hormonas. Há uma longa lista de consequências adversas para a saúde da exposição a produtos químicos perigosos, incluindo os desreguladores endócrinos. A diabetes e a obesidade, o aumento do risco de cancros dependentes de hormonas, as disfunções da tiroide, a síndrome dos ovários poliquísticos, as perturbações da fertilidade, tanto nas mulheres como nos homens, a asma, as perturbações do desenvolvimento neurológico, como a PHDA, e muitas, muitas outras têm sido associadas à exposição a substâncias químicas que afetam o equilíbrio hormonal. Devemos também ter em mente que existem alguns grupos que são mais suscetíveis do que outros e tentar minimizar a sua exposição a químicos nocivos tanto quanto possível. Isto inclui as mulheres grávidas e os fetos, os recém-nascidos e as crianças pequenas, e os idosos.
Controlar a exposição para viver mais: a chave é evitar os desreguladores endócrinos
Alguns produtos químicos que não são bons para a nossa saúde estão presentes entre nós por boas razões. Podem ser necessários para o fabrico de dispositivos médicos, materiais resistentes ao fogo ou materiais de construção. Ao mesmo tempo, os desreguladores endócrinos podem estar presentes na nossa mesa de jantar, no nosso quarto ou no nosso jardim. Mas não têm necessariamente de lá estar. Neste blogue, encontrará muitas dicas sobre como reduzir a sua exposição aos desreguladores endócrinos. Partilharemos as nossas ideias e soluções mais saudáveis que o ajudarão a evitar os químicos nocivos.
5 mensagens-chave:
- O sistema endócrino, com a sua intrincada rede de glândulas e hormonas, detém um imenso poder sobre a maioria dos processos fisiológicos e orquestra o funcionamento harmonioso do nosso corpo.
- Os desreguladores endócrinos (DE), são químicos exógenos que desempenham o papel de impostores sorrateiros, manipulando o delicado equilíbrio do nosso sistema endócrino.
- Estamos constantemente expostos aos DE. Todos os dias, em todo o lado.
- Os DE representam um risco significativo para a saúde, aumentando a suscetibilidade a várias doenças e perturbações relacionadas com o estilo de vida.
- Juntos, podemos fazer a diferença. Aumentando a consciencialização e fazendo boas escolhas, podemos criar um ambiente menos tóxico com uma exposição mínima aos DE.
Referências para saber mais:
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*Autoria
Este artigo é da autoria da Dra. Aleksandra Rutkowska – investigadora (nas áreas da biotecnologia e medicina molecular) e inventora- e da Dra. Aleksandra Olsson – nutricionista clínica, investigadora e perita em educação. Foi traduzido para português pela equipa da ZERO no âmbito do projeto europeu LIFE ChemBee (LIFE21GIE/DE101074245)