A UE continua a adiar as proibições de produtos químicos perigosos. Produtos de uso diário estão a potenciar cancros, infertilidade e outros danos para a saúde dos cidadãos enquanto a Comissão Europeia adia sistematicamente as proibições recomendadas pelos consultores científicos. O incumprimento do prazo legal ao longo de quase duas décadas mostra que os interesses comerciais prevalecem sobre a saúde dos cidadãos e sobre o ambiente.
Os funcionários da UE violaram a lei ao atrasarem a proibição de produtos químicos perigosos durante quase duas décadas, é a conclusão preliminar da investigação do Provedor de Justiça Europeu. A Comissão Europeia demora, em média, 14,5 meses a decidir se autoriza ou não as empresas a continuar a utilizar produtos químicos proibidos, quase cinco vezes mais do que o limite legal, confirmou a Provedora de Justiça Emily O’Reilly. Este facto constitui prática de má administração.
Os atrasos permitem que as empresas continuem a utilizar legalmente substâncias que os conselheiros científicos da UE avisaram dever ser proibidas por representarem risco de cancro, afetarem a fertilidade ou causarem outros danos graves. Trata-se de milhares de toneladas por ano utilizadas numa vasta gama de produtos. Esses produtos continuam a ser uma ameaça incontrolada para a saúde humana, para os processos de reciclagem e para o ambiente, afirmaram as organizações sem fins lucrativos ClientEarth e European Environmental Bureau (EEB).
A especialista jurídica da ClientEarth, Hélène Duguy, afirmou: “A investigação do Provedor de Justiça mostra como a Comissão Europeia tem sido imprudente com as regras relativas aos produtos químicos. Essas regras existem por uma razão – proteger a saúde das pessoas. Este comportamento inaceitável mina o Estado de direito e a confiança dos cidadãos nas instituições da UE. É altura de os funcionários da UE prestarem atenção às recomendações do Provedor de Justiça e darem prioridade ao interesse público sobre os lucros das empresas tóxicas”.
Tatiana Santos, diretora da política de produtos químicos do EEB, afirmou “Os cientistas exigiram controlo mas a Comissão assobiou para o lado. Porquê? A fraqueza das suas desculpas é esclarecedora. Falta de salas de reunião, quando se trata de tomar decisões de vida ou de morte?! Digam isso a uma família atingida por cancro ou por infertilidade devido à exposição a produtos químicos. Cada dia de atraso da Comissão permite que substâncias químicas perigosas entrem nos produtos e envenenem o público. A Europa deveria dar provas de um maior sentido de urgência e incentivar empresas que criem produtos químicos mais seguros e ecológicos para um futuro próspero a longo prazo”.
Se os atrasos resultaram de uma cultura de inação no seio da Comissão, a situação deverá agravar-se ainda mais. Nos últimos meses, uma febre pró-empresarial tomou conta de Bruxelas, com a desregulamentação e a competitividade a serem o novo mantra.
As exigências inicialmente propostas pelo lobby dos produtos químicos estão presentes nos novos planos da Comissão Europeia da Presidente Ursula von der Leyen, e o Pacto Ecológico da UE está a definhar. As reformas inspiradoras do principal regulamento da UE relativo aos produtos químicos foram transferidas para um pacote de “simplificação” da indústria química para reduzir os “encargos” da indústria.
A simplificação deve significar controlos químicos mais rápidos, afirmam a ClientEarth e o EEB. Isto significa prazos mais claros, identificação e controlo simplificados dos perigos e uma abordagem que previna, em vez de reprimir, a poluição química. O princípio da precaução já está inscrito na legislação da UE em matéria de produtos químicos, mas não é aplicado. As autoridades reguladoras e as vítimas da poluição química devem ter mais poderes para obrigar os poluidores a pagar, afirmam.
O Provedor de Justiça deu crédito ao estudo do EEB que lançou o primeiro alerta sobre os atrasos da Comissão.O estudo de 2022 pôs em evidência problemas muito mais vastos do que apenas a Comissão.O estudo concluiu que os funcionários da UE não demoram mais de três semanas a autorizar a entrada no mercado de produtos químicos mal conhecidos, mas depois demoram cerca de uma década para compreender os seus perigos e mais outra década para proibir ou restringir os produtos considerados perigosos, permitindo assim danos generalizados.
Os cientistas declararam recentemente que a poluição química ultrapassou os limites planetários. A exposição diária a uma mistura de substâncias tóxicas está associada ao aumento dos problemas de saúde, de fertilidade e de desenvolvimento, bem como ao colapso das populações de insetos, aves e mamíferos. Ao longo da última década, as sondagens revelaram um elevado nível de preocupação do público com as ameaças químicas.
No ano passado, o Provedor de Justiça pediu à Comissão uma maior transparência em matéria de política de produtos químicos. Um ano depois, a Comissão ainda não cumpriu a sua obrigação. O EEB teve acesso a informações – não divulgadas pela Comissão- que mostram que os custos diretos para a indústria química da proibição das substâncias químicas mais nocivas dos produtos de consumo e profissionais seriam compensados mais de 10 vezes pelos benefícios para a saúde humana.
Uma nota de imprensa que resume a ameaça das substâncias químicas sintéticas, a investigação do Provedor de Justiça, o contexto político e os estudos de caso das substâncias químicas não controladas está disponível aqui.